segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Senso de Si


 
Senso de Si - Trocando “o que sou”   por   “quem sou”
 
O Rav disse:
“Quando um cavalo vai beber de uma poça d’água, bate com o casco na água. Sabem por quê? Porque ele vê seu reflexo na poça e imagina que há outro cavalo querendo beber a água. Ele bate com a pata para tentar assustar o “outro” cavalo e expulsá-­lo. Cada um de nós, como esse cavalo, vive assustado com seu próprio reflexo e nos recusamos a perceber que tudo é reflexo do Criador.
Quanto mais batemos nosso casco, mais forte o outro parece ficar. As vezes, deixamos até de beber água pelo temor desse outro.”
 
O medo é o maior obstáculo para o senso de si.
O que te­memos, em última instância, é sempre a perda de nós mesmos.
Não percebemos que o temor de nos perdermos de nós mes­mos é que cria a noção de si que tanto tememos perder.
Como em um círculo vicioso, se deixássemos de “temer”, o senso de si também desapareceria.
 
O senso de si próprio e o medo estão sempre associados, da mesma forma que o senso de si e o sofrimento.
Quanto maior o senso de si, maior o medo e o terror, e quanto maior o terror maior o sofrimento. Se abríssemos mão do senso de si, o medo desapareceria, se o medo desaparecesse, não teríamos um senso de si.
 
Qual seria, portanto, a saída para esse círculo vicioso?
O segredo está em nos livrarmos do drama do “eu” e do “meu” é aí que o senso de um Criador pode ser tão importante.
 
“Conta-se que um discípulo bateu na porta do rav “mestre” tarde da noite. Este perguntou: ‘Quem é?’ O discípulo respondeu “Sou eu.” O rav não abriu a porta. O discípulo voltou a bater e o rav repetiu a pergunta. O discípulo novamente respondeu: ‘Sou eu, mestre.” Novamente silêncio. Depois de repetidas vezes da mesma seqüência, ao ouvir o rav perguntar “quem é?”, o discípulo se calou. Só, então, o rav abriu a porta e fez o seguinte comentário: “Toda a vez que você respondia usando a palavra “eu”, não havia ninguém lá fora, só ilusão. Pois ninguém além do Eterno pode usar a palavra “eu” sem pura ilusão.”’
 
Qual seria então a maneira de termos um senso real do que somos?
 
A liturgia da manhã na tradição hebraica se pergunta: “O que somos?” O que é a nossa vida? Qual é o nosso poder? Qual nossa força? O que é a nossa justiça? O que é a nossa compaixão? Nada!
Mas no entanto, “quem somos?” Somos Suas criaturas.
 
A pergunta “o quê”, quando aplicada ao “eu”, na verdade, quer dizer “nada”.
O que somos? Nada, como apontou o rav ao discípulo quando se dizia “eu”. Mas se a pergunta for refeita da maneira correta e perguntarmos “quem somos?”, em lugar de “o que somos?”, então o “eu” ganha significado. Este “eu” representa uma relação (quem), em vez de uma essência (o quê).
 
Este é o senso mais básico sobre si.
Somos em relação aos ou­tros, somos em relação a um Criador.
 
Nenhuma inteligência baseada na essência (o quê) produz reverência, somente ilusão.
E a ilusão é, em última análise, a origem da ineficiência.
Apenas aquele que desenvolve um senso de si baseado nas relações com outros, produz para si reverên­cias. Os pais, os filhos, os amigos, os amantes, os oponentes e a natureza são a matéria-prima de “quem somos”.
 
Perceba que a única face que jamais conheceremos é a nossa própria. Podemos nos conhecer de reflexos em espelhos, fotos ou mesmo telas de televisão.
No entanto, nunca nos vimos cara a cara.
E se isso parece pouco importante, pense em como seria conhecer uma pessoa, digamos seu pai ou mãe, apenas por re­flexos, retratos ou telas.
Obviamente não teriam a “vida” que o olhar face a face permite.
 
Ao sermos indiferenciados do meio porque não nos vemos, nosso senso de si não faz sentido como essência, como “o quê”. É nos reflexos dos olhos da mãe que nos vemos pela primeira vez. E no reflexo dos olhos de todas as nossas relações que adquirimos o verdadeiro senso de si, de “quem” somos em rela­ção a estes que nos refletem.
 
Por: Nilton Bonder

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