sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Sensos e Referências

 
Os sensos são os instrumentos mais importantes de nossa jornada e navegação pela vida.
Nossa atuação os têm como referência a todo instante, mas não os compreendemos bem.
Acreditamos que são processos racionais de pensamento, quan­do são referências básicas construídas a partir de nossas expe­riências.
O senso de equilíbrio, o senso de direção, o senso de propriedade e tantos outros são feitos dos mínimos ajustes e acertos que a experiência propicia à medida que nos expomos e arriscamos.
 
É comum não percebermos que nossas decisões são basea­das principalmente nesses sensos.
Elas não são, como gostariam muitos, produto de processos decisórios racionais.
Hoje, pro­pagam-se as mais variadas técnicas de “tomada de decisão”, como se as mais importantes decisões pudessem ser o resultado do esquadrinhar de estratégias e lógicas. O que esse processo racio­nal de decisão almeja é reduzir ao máximo possível o risco. Mas, com o risco, reduz-se também a possibilidade de criatividade e inteligência em algum nível.
Tais decisões podem no máximo chegar a ser “janelas” ou, na melhor das hipóteses, “portas”.
 
Elas jamais alcançarão o potencial de se fazerem “portais”.
Portas mais largas ou paredes que possam ser atravessadas dependem definitivamente dos sensos.
 
A navegação de nossas vidas ocorre por meio do processo decidir, fazer, e, só então, explicar.
A explicação é sempre a última etapa, pois é ela que nos justifica.
Mas a explicação não é a verdadeira razão pela qual tomamos uma decisão.
Ela pode às vezes até coincidir, mas é um terceiro momento da experiência.
A decisão inicial é baseada nesses instrumentos sofisticados que identificamos como sensos.
 
Portanto, aperfeiçoá-los é a melhor maneira de que dispomos para alcançar decisões mais apropriadas e que nos aproximem ao máximo do que desejamos para nós e para nosso mundo. Os parâmetros pelos quais esses sensos se guiam é o que chamaremos de reverências.
No espaço vazio, diziam os rav´s, não há direita ou esquerda, mas uma volta de 180 graus nos leva para o caminho oposto.
Saber qual é o caminho e qual caminho oposto é o sistema binário (0 ou 1) do mundo espiritual.
O que reverenciamos e o que não reverenciamos são os únicos parâmetros para os sensos.
 
Sensos e Contra-sensos: Exercícios na contramão
 
Mais do que expressões de lógica, os sensos manifestam as possibilidades.
O que é possível é logo encampado pela normalidade e pela sensação de obviedade, mas é importanre lembrar que, até então, não era assim percebido.
Os sensos, portanto, ao contrário das certezas, se nutrem das exceções e dos contra-sensos.
Quando o discípulo pergunta ao mestre como desenvolver o bom senso, ouve a seguinte resposra:
“O bom senso se obtém da experiência; e a experiência se obtém do mau senso. Ou seja, o bom senso se obtém do mau senso.”
Esta é a idéia de um portal.
Um portal desafia o que até o momento de sua concepção é visto como uma impossibilidade.
Atravessar a parede é a fantástica capacidade que possuem aqueles que já trombaram inúmeras vezes em paredes. O que admiramos muitas vezes nos mestres, e que percebemos como mágico ou supra-humano, é sua capacidade de fazer coisas que nos parecem impossibilidades.
O que não enxergamos é o processo profundo de colidir com paredes que os permitiu conhecer os portais.
São essas impossibilidades eficientes que ajudam a perseverar no caminho de conhecer portais.
Toda a experiência que nos derruba, que joga por terra nossos conceitos e percepções é reveladora.
Esse tipo de experiência não só nos qualifica gradualmente a lidar com a vida de forma mais aberta e eficiente, como favorece a crença e a reverencia. Se tantos portais existem, se tantas formas de se passar pela parede ou fazer a porta mais ampla existem, sabe-se lá o que é possível e que, para mim hoje, se apresenta como impossível.
Este aprendizado se dá pela contramão.
Fazer o contrário do que o bom senso nos recomendaria e perceber que este verdadeiro bom senso é a forma mais eficaz de depurar e refinar nossos sensos.
Conta-se que, no sul dos Estados Unidos, a loja de um judeu começou a ser alvo de pedras lançadas pelos meninos do vilarejo dominado pela Ku Klux Klan.
Influenciados pelo racismo, os meninos viram na pequena mercearia um alvo ideal.
Ao final do dia, o comerciante saiu de sua loja e em tom desafiante interrogou os meninos: “Quem foi que ficou jogando pedras em minha loja o dia todo?” Passado o primeiro instante de temor por se verem arguidos, os meninos foram um a um recobrando confiança e se delataram: “Eu.... e eu.... e eu, por que? O que você vai fazer?”
O comerciante tirou do bolso um bolo de notas de um dólar e deu uma cédula a cada um que havia delatado.
Os meninos não entenderam nada e voltaram correndo para suas casas.
No dia seguinte, havia o dobro de meninos jogando pedras. Ao final do dia, a mesma cena se repetiu.
O comerciante foi em sua direção e fez a mesma pergunta: “Quem passou o dia jogando pedras na minha loja?” Os meninos entusiasticamente se delataram. O comerciante tirou dinheiro do bolso e remunerou cada criança que se denunciou com cinqüenta centavos.
No próximo dia havia uma quantidade inacreditável de crianças jogando pedras. Mais uma vez, no final do dia, o comerciante repetiu a mesma cena. “Quem jogou pedras na minha loja?” A pequena multidão disputava delatando-se: ‘Eu... eu... O comerciante então tirou dinheiro do seu bolso e começou a distribuir dez centavos a cada um dos meninos. Eles olharam com indignação e responderam em consenso: “O quê? Ficar o dia todo jogando pedras por esses míseros dez centavos?” Partiram indignados e nunca mais voltaram.
Agir na contramão de nossos interesses é difícil.
Agir na contramão de nossas percepções, que muitas vezes não passam de interesses disfarçados, é igualmente difícil.
O que o comerciante faz - remunerar a quem o prejudica não é um contra-senso, como parece. Ele percebe o quão vazio e destituído de intenção real é o ato de jogar pedras. Questioná-lo e entrar em conflito com os meninos é dar-lhes subsídios para sua vazia intenção de jogar pedras. Ao contrário, o comerciante se dispõe a dar nova “intenção” ao ato de jogar pedras. Os meninos vão sendo convencidos de que seu propósito é a remuneração, que vai se tornando tão minguada a ponto de indigná-los.
O comerciante sabe identificar um portal porque é capaz de se relacionar com aquela situação de forma viva. Ela não é um quadro ou uma janela, mas uma questão real e, como tal, demanda interações e soluções criativas e intuitivas.
Em outro exemplo de eficácia da contramão há a anedota do comerciante que tem um caminhão de mercadorias sem nota fiscal sendo descarregado na frente de sua loja.
Mal haviam começado a descarregar, um carro da polícia com fiscais se aproximou.
Os funcionários correram para a loja assustados e disseram: “Os fiscais estão chegando... mal começamos a descarregar a mercadoria e não temos nota. O que vamos fazer?”
O comerciante calmamente reagiu: “Voltem lá e lentamente comecem a carregar o caminhão novamente.” Sem entender como isso poderia resolver seu problema, fizeram como foi ordenado. Nesse meio-tempo, os fiscais chegaram e perguntaram: “Que carga e essa com a qual vocês estão carregando caminhão? Vocês têm as notas fiscais?” Os funcionários disseram que não tinham as notas. A reação dos fiscais foi imediata: “Podem descarregar esta mercadoria toda. Ela não vai lugar a nenhum”.
A sabedoria de não nadar contra o repuxo, esse movimento que faz os sobreviventes de afogamento salvarem suas vidas, entregando-se momentaneamente às forças do mar, é um contra-senso profundo.
Todo senso verdadeiro é uma mira tão calibrada que não se furta a ir contra si, experimentando aparentes desvios de curso, que nada mais são do que atalhos.
A vida nos pede este tipo de comportamento o tempo todo.
Temos dificuldade em assumi-lo porque o controle não permite que nos entreguemos as correntezas.
Mas nossa sobrevivencia física, emocional, intelectual e espiritual depende de decisões de contramão.
São elas que nos permitem integrar contradições da vida e em particular os seus revezes - como temporários movimentos de sobrevivência.
Das quedas e perdas de controle é que adquirimos maior controle.
Ou seja, para poder ter mais paz e “controle”, temos que ir pela contramão, desapegando-nos não só de preconceitos mas até mesmo dos conceitos.
As portas dão conta dos preconceitos.
Os portais abrem mão até mesmo dos conceitos.
Vamos nos permitir entrar em áreas distintas de nossa existência para que possamos averiguar alguns sensos importantes.
Veremos que todo senso verdadeiro tem um norte, uma referência “magnética” que se confunde com a razão maior de as coisas serem do jeito que são. Esse norte é a reverência e a espiritualidade.
O ponto focal de um senso deságua nessa dimensão, e esta é a própria definição de espiritualidade: a razão última que nos mobiliza.
 
Por: Nilton Bonder
 

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