segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Senso de Doença - Reconhecendo aquilo que o leva para onde você não quer ir


 
O instinto físico faz uso do medo para evitar perigos.
O mesmo faz o instinto emocional por meio da descon­fiança para evitar perigos afetivos, e também a intelectualidade pela percepção de que há confusão ou incoerência.
A espi­ritualidade, por sua vez, reconhece o perigo por um outro cri­tério, que é a percepção de “nâo estarmos indo para onde queremos ir”.
A ignorância espiritual deseja sempre colocar o perigo nas tentações externas, satânicas, como vimos antes na questao do exorcismo.
O único “mal” externo é inevitável e, portanto, fora de nossas preocupações.
O perigo real reside em uma tra­ma orquestrada por nós mesmos.
São as vozes internas que nos tentam e que nos impedem de seguirmos o curso que realmente desejamos trilhar.
Não há outra bússola além da percepção de que estamos indo para onde não queremos. Há mapas, como as Escrituras ou ensinamentos, mas você tem de saber o lugar em que você está, para onde quer ir e como chegar pelo caminho com menos obstáculos.
Em outras pala­vras, não há manual.
Mesmo os mapas devem constantemente ser revisados, para dar conta de mudanças ocorridas ao lon­go do tempo.
No texto bíblico, quando Moisés pergunta a Deus qual o seu nome, ouve a resposta de que ele é “Serei o que Serei”.
Essa estranha forma de definir-se ou nomear-se dá parâmetros para entender que Deus é a força absoluta que consegue, em sua integridade, Ser o que se propõe a ser.
Tudo e todos os demais conseguem ser apenas parcialmente o que verdadeiramente se propõem a ser.
Somos levados para onde não queremos ir, e talvez, esta seja a definição do Impulso ao Mal que aparece na literatura da Cabalá, como uma espécie de manifestação satânica dentro de nós.
Essa trapaça interna com a qual vitimamos a nós próprios exige que saibamos, cada um de nós, o nosso estilo de auto-ilusão.
 
A Ética dos Ancestrais (2:6) aponta diferentes distúrbios que incidem sobre a espiritualidade e sua origem, na seguinte cita­ção:
“O abrutalhado não pode ser temente; o acomodado não pode ser piedoso; o envergonhado não pode aprender e o impa­ciente não pode ensinar.”
De acordo com esse ensinamento, a insensibilidade, a aco­modação, a vergonha e a impaciência são comportamentos que nos tornam espiritualmente doentes.
Não há problema huma­no que não possa ser decomposto em componentes destes quatro fatores.
São sintomas que possibilitam diagnósticos e prog­nósticos.
O refinamento, primeiramente, é que nos permite supor­tar as contradições.
Por meio dele, aprendemos a não genera­lizar e a apreciar a diversidade e a surpresa.
O abrutalhado vê preto-no-branco e se torna daltônico à vida.
Em preto-e-bran­co, todas as contradições são incoerências ou erros.
Sem a per­cepção de nuanças, o único senso que faz sentido é a descren­ça e o cinismo.
Acomodar-se é um comportamento que busca evitar o con­fronto com as próprias limitações.
Como a maior de todas as limitações é a morte, o acomodado é alguém que, por tanto temer a morte, fez acampamento na vida, um sem-terra agarra­do à terra.
Ou um sem-vida agarrado à vida, o acomodado se torna insensível a toda fraqueza e limitação.
Sem compreender nossa pequenez e nossas próprias dificuldades, não consegui­mos olhar o outro como um igual e desenvolver compaixão.
Essa falta de compaixão acaba por instaurar a malignidade da falta de responsabilidade. Como a própria palavra diz, trata-se da habilidade de ser responsivo.
Responder à vida e responder ao outro só é possível quando respondemos a nós mesmos. A indiferença à violência e à miséria do outro são decorrência de nossa estagnação e acomodação espiritual.
A vergonha, por sua vez, não nos permite crescer.
A vergo­nha pode ser um sentimento positivo, quando aplicado a nosso comportamento, mas não à nossa pessoa.
Ter vergonha do que fiz é muito diferente de ter vergonha de quem sou.
Só não faz perguntas e não se expõe aquele que desenvolveu vergonha de si.
E nada é mais importante para a inteligência espiritual do que reconhecer que não somos o que fizemos, somos o que fazemos.
O passado pode ser julgado por outros, mas temos constantemente a oportunidade de mudar a cada momento da vida. Há sempre uma maneira de não se sentir vergonha de si em um dado momento, muitas vezes pela própria capacidade de sentir vergonha do que se fez.
O que estamos dizendo é que a vergonha não nos permite a presença, ela sempre nos remete a um passado que nos acusa.
A vergonha não permite ao presente dispor de sua mais importante característica ser solvente (transformador) do passado.
A dificuldade do envergonhado em aprender não se deve apenas à incapacidade de fazer perguntas.
Como ele está sempre preocupado com pendências passadas, não consegue estar presente, que é a condição fundamental para aprender.
 
Certa vez, Reb Pinchas comentou: “Estamos sendo sempre, constan­temente, ensinados pela vida. E por que, então, temos tanta dificuldade em aprender? Por que ela ensina, mas não repete!”
O envergonhado deixa escapar inúmeras oportunidades de vida, pelo simples fato de se esconder, em vez de fazer-se pre­sente.
Por último, a impaciência revela uma compreensão errada da vida.
Essa compreensão se baseia na idéia de que há sempre algo mais interessante e gratificante no que está por vir.
O de­pois é sempre mais importante que o agora.
Conta-se que per­guntaram a um discípulo do Rav  Kotzk o que era mais importante para seu mestre.
O discípulo respondeu: “O mais importante para ele era aquilo que estivesse fazendo no mo­mento”.
Nem mesmo podemos imaginar o impacto na qualidade de nossas vidas, se pudéssemos fazer daquilo que estamos fazendo a coisa mais importante.
O prazer vivido e a qualidade de tudo o que fizéssemos bastariam para nos tornar felizes.
O impacien­te de todos nós não sabe que a felicidade mais plena é simples­mente conseguir perceber que aquilo que estamos fazendo, em todos os momentos, é a coisa mais importante.
Esses sintomas muitas vezes se manifestam em conjunto.
Pare para pensar quantas pessoas você conhece que são insensí­veis e que em alguma medida são também acomodadas, enver­gonhadas ou impacientes.
 

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